Como educadores, nosso compromisso não é com a função de ensinar, mas com o processo de aprender. Afinal, é só a partir dos resultados dos estudantes que podemos avaliar o sucesso ou fracasso de nosso trabalho. Queremos que os estudantes desenvolvam conhecimentos e habilidades que os ajudem em seu aprendizado e vida profissional futuros. No entanto, há situações em que não estamos tão certos das razões para uma criança aprender, e mais, para que retenha esse aprendizado e seja capaz de utilizá-lo. Felizmente, as muitas suposições que havia sobre o processo de aprendizagem podem hoje ser confrontadas com a realidade científica, como resultado do estudo do cérebro, a neurociência.
Neste artigo, buscamos analisar o processo de aprendizagem e o papel do educador nesse processo, por meio de conhecimentos trazidos pela neurociência. Verificaremos que processos desenvolvidos por grandes professores do passado e do presente, de maneira instintiva, tinham ótimos resultados porque atendiam a necessidades do desenvolvimento cerebral. Isso não significa que para termos ótimos resultados como professores precisamos nos tornar especialistas em neurociência; basta aplicarmos processos que nos auxiliem a ajudar os alunos a aprender.
O que é neurociência
A primeira ressonância magnética de corpo inteiro aconteceu em 1980. Desde então, médicos e pesquisadores começaram a investigar causas de doenças cerebrais e, no processo, entender melhor como o cérebro funciona. Por meio da ressonância, puderam mapear as áreas do cérebro que são ativadas quando uma pessoa olha, ouve, pensa e se recorda. Dependendo dos estímulos, regiões diferentes são ativadas, e com maior ou menor intensidade.
Formado por uma extensa rede de circuitos de neurônios, o cérebro é um mecanismo muito mais complexo que qualquer computador moderno. Nele, as informações são transmitidas por impulsos que passam por células altamente especializadas chamadas neurônios. Um lado do neurônio é responsável por receber informações de diversas células ao mesmo tempo, enquanto o outro lado transmite essas informações a um sem-número de outras por meio de sinapses, que são o espaço entre um neurônio e outro, por onde os impulsos nervosos viajam na forma de impulsos elétricos. Quanto maior a nossa interação com o ambiente, maior é o número de sinapses que são geradas, e maior nossa capacidade de aprender. Ou seja, quanto mais se aprende, maior a capacidade do cérebro de continuar aprendendo.
Assim, a neurociência revelou para os educadores as técnicas que facilitam o processo de aprendizagem e os ajuda a conduzir processos de ensino mais eficientes. Ao indicar como o cérebro se comporta diante de novas informações, permite entender o desenvolvimento da criança de maneira abrangente, conduzindo-a no desenvolvimento de habilidades, competências e memórias de longa duração. Quando um indivíduo consegue resgatar uma memória e aplicá-la durante a resolução de um problema, então temos certeza de que houve aprendizagem.
Como acontece o processo de aprendizagem
Todo mundo, espero, já teve um professor especial na vida, um professor que fazia sua matéria se tornar interessante e de cujos ensinamentos lembramos até hoje. Esses professores poderiam nem saber o que estavam fazendo, mas instintivamente obtinham bons resultados por usar certos processos que tornavam o aprendizado ‘infalível’. Esses métodos em geral se relacionavam a interessar e motivar os estudantes. Seja trazendo novidades, provocando ou simplesmente usando seu magnetismo pessoal, esses professores conseguiam capturar não só a atenção, mas a própria imaginação e, por que não dizer, o “coração” dos alunos. Mas será que qualquer professor pode fazer isso? Hoje, sabemos que sim.
Desde que se começou a pensar no processo de ensino-aprendizagem, ou seja, quando a educação se tornou uma atividade específica dentro das sociedades humanas, surgiram estudiosos desse processo, buscando organizá-lo e obter melhores resultados. Desses estudiosos, os primeiros de que temos notícias são os filósofos gregos anteriores à era cristã. Foram eles que estabeleceram as bases do ensino, baseado na discussão e na experiência. De lá para cá, muitas ideias e mestres surgiram, propondo diferentes procedimentos que pareciam mais adequados ao momento em que viviam. Inevitavelmente, porém, as teorias voltavam ao básico, propondo que a aprendizagem acontece a partir da interação do aprendiz com o ambiente, tendo o professor como mediador (Vygotsky), que é mais fácil aprender quando se relaciona o assunto novo com algo que o estudantes já sabe (Ausubel), que aprender é o resultado da interação entre afetividade, interesse e motivação (Piaget) e até mesmo que a chave é a compreensão das múltiplas potencialidades de cada criança, ajudando-a a desenvolvê-las (Malaguzzi).
Independentemente da linha pedagógica escolhida, hoje está claro que a aprendizagem é inerente a todo indivíduo, desde o nascimento, independentemente de sua capacidade. Ela acontece pela interação da criança com o mundo que a cerca e, sendo uma construção pessoal, implica em uma mudança de comportamento. Além disso, como aprendemos com a neurociência, o aprendizado altera o próprio cérebro, ativando seu desenvolvimento e retardando sua degradação.
Os fatores que iniciam o processo de aprendizagem são a resolução de problemas, o estabelecimento de conexões entre ideias e fenômenos e a associação com algo que gera sentimento: o professor, uma imagem, um contexto… É a partir desses estímulos que algo que poderia ser uma mera informação, que seria imediatamente esquecida, migra para a memória de longo prazo e passa a fazer parte do indivíduo.
A importância do educador no processo de aprendizagem
O estudante não aprende somente na escola. Aliás, pode acontecer de o indivíduo aprender prioritariamente fora da escola, caso os estímulos que receba ali dentro não sejam motivadores… Como vimos, o aprendizado acontece mediante a interação dos estudantes com os fenômenos estudados, e essa interação acontece pela ação mediadora do professor. Assim, quanto melhor a relação com o professor, melhor será o relacionamento do aluno com a matéria. Quando esse professor está menos focado em informações a serem transmitidas e mais nos aspectos cognitivos e emocionais dos alunos, a aprendizagem acontece e torna-se permanente. É com o professor, também, que o aluno vai aprender a trabalhar em grupo e a desenvolver sua criatividade e pensamento crítico, fatores essenciais para que alcancem seus objetivos.
Porém, tão importante quanto esse processo de mediação e estímulo é a maneira como as emoções são ativadas. As emoções influenciam nossos processos cognitivos e afetam diretamente as funções que participam do processo de aprendizagem — percepção, atenção, memória, raciocínio e resolução de problemas. São também as emoções que vão dar o estímulo certo para que o estudante se motive a aprender. Alguém poderia dizer que o medo — ferramenta muito utilizada antigamente na educação tradicional — também é um ótimo estímulo, mas esse medo (de punição, de tirar notas baixas, de repetir de ano) estimula o estudante a fazer o mínimo necessário para conseguir notas, mas não garante que ele terá conhecimento para levar para sua vida. As emoções que buscamos são justamente as positivas, como companheirismo, sensação de vitória, alegria da realização, admiração. Ao associar um conhecimento a um sentimento positivo, que o estudante vai armazenar na memória de longo prazo, ele vai ser capaz de retomá-la mais facilmente quando precisar.
Um educador de sucesso também fica atento ao estilo de aprendizado dos alunos. Se um método não surte efeito com alguns alunos, procure outros. Quando há informações que precisam ser guardadas, como uma lista de verbos irregulares ou a tabuada, é importante trabalhar a memória de maneira lúdica, criando desafios ou recursos mnemônicos para que os estudantes se lembrem das informações. Uma metodologia que funciona com um aluno ou uma classe pode não funcionar com outra. Cabe ao professor conhecer sua turma e adaptar suas estratégias a ela.
Algo essencial também é que um aluno que fica quieto olhando para o professor não está necessariamente aprendendo. A atenção é essencial para o processo de aprendizagem, mas as pessoas só prestam atenção ao que lhes interessa e só há interesse quando o assunto tem significado para o aluno. É por isso que uma explicação do professor tem mais resultado quando o estudante já está motivado e envolvido com o assunto, como acontece nas metodologias ativas.
As metodologias ativas, entre as quais se contam a sala de aula invertida e a aprendizagem baseada em projetos, têm como principal característica o envolvimento do aluno, em grupo ou individualmente, na resolução de problemas, para a qual precisa buscar conceitos, técnicas e estratégias, construindo assim conhecimentos e habilidades. O principal benefício das metodologias ativas é que estimulam formas de aprendizagem mais eficazes para a retenção de informações — debater, praticar e ensinar. São essas atividades — que, segundo a escala de William Glasser, permitem a retenção de até 95% do conteúdo — que devemos buscar como professores e também como aprendizes.
Aplicação da neurociência na alfabetização
Os estudos neurológicos mostram que é no momento em que desenvolve a capacidade de linguagem que o ser humano dá um salto cognitivo e se diferencia de vez dos animais. Trata-se de um processo natural que afeta toda a maneira como o aluno aprende. Já a alfabetização não é um processo que ocorre naturalmente, mas tem uma influência tão grande ou até maior que o desenvolvimento da linguagem. Ler e escrever é um processo extremamente complexo que requer a ativação simultânea de várias áreas do cérebro. É por isso que acontece entre os 5 e 7 anos, momento em que a plasticidade cerebral (ou neuroplasticidade) está em seu auge. Nesse momento de reorganização dos circuitos neurais e da recepção de novas atitudes ou pensamentos, a anatomia do cérebro é alterada e funções até então dormentes são estimuladas.
Quando uma criança é alfabetizada, por exemplo, e começa a aprender os sons da língua, rimas, a relação entre letras e sons, isso exige que ela reconfigure o cérebro para processar a linguagem nesse novo formato. Essa reconfiguração, não sendo um processo natural (uma vez que o código é cultural), requer estímulo, prática e repetição. É conhecendo os processos cerebrais de leitura e escrita que se pode desenvolver métodos mais eficazes para a alfabetização. Algumas dicas para obter sucesso na alfabetização são:
- Apresentar às crianças livros com imagens, histórias em quadrinhos, livros de banho, livro interativo, para estimular o interesse pela leitura.
- Estimular o envolvimento das crianças com as histórias, fazendo provocações e perguntas.
- Explorar a utilização de outras linguagens, como artes, música, dança, para que os estudantes estabeleçam relações entre essas linguagens e a escrita.
- Criar um ‘ambiente alfabetizador’, com letras e materiais de leitura, que estimule e desafie as crianças a aprender.
O professor alfabetizador precisa, portanto, criar uma relação positiva com os alunos e ficar atento a:
- Interesses: o interesse da criança é de curta duração e mutável, de modo que vale a pena buscar variedade nas abordagens e planejar as aulas de acordo com aquilo que mais a interessa.
- Inteligências: depois de Goleman e Gardner, não podemos mais falar em uma inteligência única. Cada criança tem um mix variado de inteligências e capacidades inatas que podem ser ao mesmo tempo desenvolvidas e exploradas pelo professor.
- Dificuldades: há momentos em que os estudantes apresentam dificuldades de aprendizagem causadas por fatores externos; cabe ao professor entender pelo que o aluno está passando e oferecer apoio na superação.
- Distúrbios: o cérebro ‘típico’ tem sempre surpresas, mas funciona de maneira razoavelmente previsível. No entanto, há crianças que possuem distúrbios do neurodesenvolvimento que as tornam ‘atípicas’ em sua forma de aprendizagem. Esses distúrbios, que são internos ao indivíduo, precisam ser abordados de maneira multidisciplinar, mas abordagens alternativas podem ajudar em seu processo de alfabetização.
Por fim, cabe ao professor buscar e favorecer, em todas as fases de aprendizagem, o apoio das famílias para que o estudante tenha um ambiente favorável ao aprendizado.
Vemos assim que a neurociência é de fato uma grande ajuda para desenvolver estratégias de aprendizagem eficazes, tornando o professor, em seu novo papel de mediador do processo de ensino-aprendizagem, peça essencial para o desenvolvimento dos estudantes.
Referências Bibliográficas
A Pedagogia da Neurociência. Ensinando o Cérebro e a Mente, por Gilberto Gonçalves
de Oliveira – Ed. Appris
Neurociência e educação: Como o cérebro aprende, por Ramon M. Cosenza – Ed.
Artmed
BOAS, Vilas C. Maria Violeta. Educação: reflexões de uma prática. Ed. Urj, RJ, 1998
Artigo: Afetividade e Aprendizagem
Sobre a autora
Milena Steger
Milena Steger é co-fundadora da Merit Consultoria e pedagoga pós-graduada em psicopedagogia e gestão de projetos escolares. Especialista em projetos para Educação Infantil e Ensino Fundamental, desenvolve e ministra cursos e formações para escolas e educadores.