Tenho escutado muitos educadores em suas dores, outro dia escutei um que dizia: eu não me sinto neste momento (de pandemia) vivendo e sim “sobre” vivendo. Acredito que o momento atual na educação é um convite a aprender sobre arte de ESCUTAR e gostaria de convidar cada um de vocês, gestores e professores a pensar e sentir sobre essa arte.
Recentemente li um livro que se chama: À Escuta, do filósofo Jean-Luc Nancy[1] (2014, p. 19), onde ele diz: “Escutar é inquietar-se, (…) É estar inclinado para um sentido possível, e consequentemente não imediatamente acessível” (P. 17). “Estar à escuta é sempre estar à beira do sentido, ou num sentido de borda e de extremidade, como se o som musicalmente escutado, quer dizer, recolhido e perscrutado por ele mesmo (…)”. Como estamos escutando a este momento de COVID 19, onde quase todos nós estamos em “isolamento” e afastamento social? Onde boa parte dos lúcidos assiste o descaso político, o abandono das vidas humanas em detrimento do mercado?
Onde a desigualdade social continua mantendo os mais pobres no subsolo da educação, enquanto os que tem mais oportunidades e acesso as tecnologias continuam saindo na frente?
Neste momento de afastamento social, é um convite escutar nossos sentimentos tão amortecidos frente a uma realidade que todos nós participamos de uma forma ou de outra. O silêncio interior, pode ser uma saída criativa para pensarmos as respostas rápidas e apressadas que muitas vezes emitimos apesar da complexidade da situação. Como dizia T. S. Eliot citado pelo querido e saudoso Rubem Alves[2]:
“Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento?” Onde está à escuta frente a tanto barulho e dizeres pedagógicos, leis, novas bases nacionais, Ranking(s)? Quem vai escutar os professores?
Escutar primeiro a cada um de nós mesmo, escutar com tempo, sem pressa sem estar conectada em outro aparelho que não seja o nosso coração.
escutar é uma arte, arte de esvaziar-se, arte de inquietar-se e principalmente a arte de desejar e ainda apostar nas novas e futuras gerações. Certa vez, perta vez perguntaram a Francisco de Assis o segredo da santidade e ele respondeu: “Recomeçar a cada novo dia. Recomeçar sempre”. É, sem dúvida esse recomeço que nos conectará como sujeitos desejosos, porém não santos, não é esta a nossa aposta.
A educação contemporânea frente a muitos risos e tantas lágrimas é convidada a caminhar no sentido contrário dos protocolos, dos modelos de grupo, da impulsividade, das verdades prontas, dos diagnósticos apressados e principalmente da RAPIDEZ que anuncia a nossa maior SURDEZ frente a um mundo que não é mais padronizado.
Educar é processo, é arte, é destituído de opressão, educar é apresentar o mundo aos mais novos e reapresentá-los a nós mesmos. Educar é incompatível com a pressa, educar é fazer aliança e provocar a “parte” não doente daquele sujeito, é tocar naquilo que o fará despertar da sua surdez interior. Será que inconscientemente temos da nossa própria luz? E por isso tentamos apagar a dos nossos alunos? Eu me lembro que no ano de 2014 ao me preparar para um trabalho que eu faria na África, comecei a ler livros sobre Nelson Mandela e um trecho que me marcou e me serviu como bússola para aquele trabalho foi, onde ele resumia o complexo de Jonas[1]: “Nosso medo maior não é o de que sejamos incapazes. Nosso medo maior é que sejamos poderosos além da medida. É nossa luz, não nossa escuridão, que nos amedronta”.
Pensar nisso, é um convite a rever nossos talentos. Será que nós educadores não nos vemos pequenos, apagados?
Voltando a revisitar os escritos do meu saudoso Rubem Alves: “Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular”.
Escutar, portanto nesse momento é mais importante do que métodos de avaliar e classificar gerações, que não estão podendo ser escutadas em sua dor de existir.
O nosso ofício de professores, está nos conduzindo por caminhos não previstos nas Universidades, um caminho que não aprendemos a trilhar em cursos envelhecidos que não nos transmite sobre o lugar do SUJEITO e não apenas sobre seu desenvolvimento. Freud (1937), em seu texto “Análise terminável e interminável” a espelho do que fizera em 1925, ele anuncia a existência de três ofícios impossíveis: psicanalisar, educar e governar.
Aceitar que educar é impossível é compreender a singularidade de cada um, é perceber que entre aquilo que emito e aquilo que o outro recebe há uma grande distância. Reconhecer que não temos toda essa potência de salvar ninguém e sim de acordar os adormecidos em suas dores, em suas histórias de vida, de suas verdades e de suas bagagens, onde eles acreditam que terão que arrastar pela vida a fora e sofrer e sofrer até o dia em que, ou eles abandonam a escola ou nós os colocamos para fora.
Aposto na arte de ESCUTAR, nós sujeitos-professores e de escutarmos sujeitos-alunos em sua experiencia subjetiva e quem sabe reinaugurar um outro Fazer pedagógico.
Entre o que eu falo e o outro escuta, existe um mundo vasto, vasto mundo. Então…o meu compromisso ético é me reconciliar com meu desejo, aquele que me faz sustentar esse lugar de ESTAR professora, professor, gestor… ESCUTEMOS MAIS e Falemos menos… pode ser o primeiro passo!
Portanto, meus colegas, que a nossa educação velha possa ir além de repetir e fazer, que ela possa ser um convite a ESCUTAR a vida, esta vida em que todos nós, HOJE, lutamos para estar nela. Nos afastamos socialmente, nos isolamos socialmente, não porque queiramos, mas porque um vírus de nome COVID 19, resolveu aparecer e se apossar do mundo, esse mundo em que todos nós HUMANOS, achávamos que éramos donos e detentores de tudo que ali estava.
Pensemos em nossa própria experiência: “O que as pessoas mais desejam é alguém que as escute de maneira calma e tranquila. Em silêncio. Sem dar conselhos. Sem que digam: “Se eu fosse você”. A gente ama não é a pessoa que fala bonito. É a pessoa que escuta bonito. A fala só é bonita quando ela nasce de uma longa e silenciosa escuta. É na escuta que o amor começa. E é na não-escuta que ele termina. Não aprendi isso nos livros. Aprendi prestando atenção”
Rubem Alves. O AMOR QUE ACENDE A LUA.
Sobre a autora
Jane Haddad
Jane Haddad é mestre em Educação pela Universidade Tuiuti do Paraná (2010-2013). Docência do Ensino Superior pelo Centro Universitário Newton Paiva (2004), Teoria Psicanalítica pela UFMG (2001) e Psicopedagogia pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (1999). Graduada em Pedagogia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (1998).
Atuou por mais de 22 anos em escolas como professora, coordenadora pedagógica e diretora. É conferencista, tendo participado de inúmeros eventos educacionais (nacional e internacional). Autora de diversos artigos sobre educação em sua relação com a comunidade; indisciplina escolar; relação família e escola; transtornos educacionais dentre outros temas. Atualmente colabora com seus artigos na revista Direcional Educador e na Revista BIS do Sindicato das Escolas Particulares de BH-MG. Autora dos livros: “Educação e Psicanálise: Vazio existencial”, “O Que Quer a Escola: Novos Olhares resultam em Outras Práticas” e Cabeça nas Nuvens: orientando Pais e Educadores sobre o Transtorno do Déficit de Atenção, publicados pela editora WAK, do Rio de Janeiro.
Co-autora do livro Escola no Divã lançado em 2018.