Já faz quase dois anos que o veloz contágio do vírus Sars-CoV-2 começou a se espalhar pelo planeta Terra. Tão rápido quanto à contaminação, as pessoas tiveram que descobrir uma nova forma de abastecer suas casas com mantimentos e remédios, de estudar, de se relacionar, de trabalhar, enfim, de viver. Ao mesmo tempo que tinham que encontrar maneiras de não se contaminar e não transmitir para o próximo, mesmo que cientistas e pesquisadores ainda estavam desvendando essa nova doença que estava alastrando a raça humana.
As pessoas começaram a se acostumar com o que chamaram de “novo normal”. Porém, segundo uma publicação do início de agosto de 2021 do periódico americano JAMA Pediatrics, os sintomas de ansiedade e depressão entre os jovens dobrou após o início da pandemia. 29 pesquisas, realizadas em pessoas de 18 anos ou menos, concluíram que 12,9% desse grupo já tinham sinais depressivos antes da pandemia, contudo, após a chegada do novo coronavírus, a taxa subiu para 25,2%. Já os sintomas ansiosos, aumentaram de 11,6% para 20,5%, e poderiam aumentar conforme o avanço da doença.
De acordo com uma pesquisa global preliminar realizada pela Universidade Estadual de Ohio (EUA) realizada no início de 2021, o Brasil era líder em índices de ansiedade e depressão na pandemia, em comparação com outros dez países. De 1.500 pessoas maiores de 18 anos que participaram da pesquisa, 63% apresentaram relatos de ansiedade e 59% sinais de depressão. Após a conclusão da pesquisa, em fevereiro, foi concluído que em nenhum outro lugar do mundo, o diagnóstico destas doenças havia subido tanto.
Professores, que durante anos (até décadas) trabalharam presencialmente, tiveram que aprender a ensinar à distância. Foram forçados a reorganizar os conteúdos e metodologias para que, assim, os alunos se mantivessem motivados. Foram cobrados por resultados, em meio ao pandemônio. Além disso, uma pesquisa realizada pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, com a participação de 159 professores de diversos estados do Brasil, mostrou que 90% dos professores não estão sozinhos em casa enquanto estão trabalhando, e 86% afirmaram que o home office implicou em uma sobrecarga de trabalho.
“A educação já se encontrava num momento ruim, com os professores relatando um mal-estar. Já vínhamos identificando adoecimentos, licenças e a pandemia agravou o cenário. Além da adaptação que foi exigida dos professores – até ouvi o relato de uma educadora que disse que não sabia alfabetizar no formato online, o acesso ao ensino e à aprendizagem passou a exigir das famílias não apenas o acesso à internet, mas a recursos. Tivemos, aí, a exposição da desigualmente. O processo de mediação acabou ficando a cargo dos pais, que passaram a se queixar aos professores que estavam cansados, que não conseguiam prestar esse auxílio aos filhos, já que alguns possuem até baixa escolaridade. E em meio a todo este contexto, os educadores são expostos à burocracia, ao preenchimento de inúmeras planilhas, e precisam conciliar todo o trabalho a cursos de formação. O resultado é a sobrecarga de trabalho”, afirmou uma das pesquisadoras.
A psicóloga Emelin Macieu ressalta que o acúmulo de tarefas, a preocupação com a saúde da família, dos alunos e de si próprio, a necessidade de adquirir novas habilidades, a dificuldade de tirar o pensamento do trabalho fora do expediente, e a preocupação com as funcionalidades das ferramentas tecnológicas para ensino e aprendizagem acarretam a uma sobrecarga que podem levar à depressão, crises de ansiedade e Síndrome de Burnout (ou Síndrome do Esgotamento Profissional).
Segundo a Organização Internacional do Trabalho, a categoria docente é a segunda a apresentar doenças ocupacionais, entre elas, o mais comum são os sintomas psiquiátricos. A pesquisadora Deise Juliana Francisco, integrante do grupo de pesquisa Saúde mental, ética e educação, da Universidade Federal de Alagoas, afirma: “O trabalho docente tem passado por uma precarização e desvalorização crescente por parte da sociedade, com reflexos em baixos salários, grande carga horária de trabalho e muitas tarefas para realizar nos momentos de lazer. Aliado a isto, cresce o número de funções delegadas aos professores, que antes eram da família ou de outros profissionais. No contexto da pandemia, esta situação se torna mais visível”.
Um site de auxílio de tutoria destacou que os principais fatores que podem contribuir para fragilizar a saúde mental dos professores na pandemia são:
- Desvalorização da classe trabalhadora;
- Controle das aulas online;
- Despreparo para usar as ferramentas tecnológicas;
- Despreparo pedagógico para o ensino on-line;
- Gestão escolar ausente;
- Fragilidade nas relações pessoais;
- Alunos desinteressados e desmotivados;
- Tempo para descanso escasso;
- Exigências e cobranças de performance.
Acrescentamos ainda as preocupações. Com o trabalho dentro de casa, há uma certa dificuldade em separar as questões. Muitas vezes, os problemas do trabalho acabam sendo trazidos para a relação familiar e vice-versa, tendo em vista que os ambientes não estão mais separados.
A USP (Universidade de São Paulo), em parceria com a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto – USP, publicou a “Cartilha de apoio à saúde mental do(a) professor(a) durante a pandemia de covid-19”. O documento menciona que sentimentos como tristeza, solidão, angústia, raiva, ansiedade e frustração são comuns durante a pandemia, pois todos nós perdemos nossas rotinas que estávamos habituados, além da ausência do contato físico com amigos e familiares e a perda da liberdade. Contudo, a cartilha menciona que algumas emoções vêm à tona para a nossa própria proteção.
“A tristeza, por exemplo, serve para desacelerarmos e refletirmos a respeito de nossa situação. A raiva vem em contextos de defesa pessoal e percepções de injustiça. Ela nos dá forças para agirmos e mudarmos a situação. Já o medo tem a função de autopreservação e garantir a própria segurança.”
Contudo, é necessário ficarmos atentos, pois as emoções podem alcançar níveis altos e difíceis de controlar.
“Como caso clássico, a tristeza debilitante e por períodos prolongados pode implicar no que conhecemos por depressão. A raiva, se ocorrer intensa e descontroladamente, pode acarretar prejuízos de relacionamento por agressividade e possível violência. Já o medo e a ansiedade em excesso podem ser paralisantes e até mesmos limitantes, como as fobias e transtornos de ansiedade.”
Pontos de atenção:
- Perceber que não consegue pensar em alternativas, se sente paralisado(a) frente às dificuldades e tarefas diárias e/ou sente uma enorme angústia e falta de esperanças;
- Identificar comportamentos compulsivos, seja no consumo de alimentos, de álcool e outras drogas, de redes sociais ou mesmo de jogos e noticiários;
- Sentir dificuldades em lidar com suas emoções, se machuca e machuca os outros.
- Sentir tristeza muito frequente ou intensa;
- Não encontrar forças para realizar atos básicos de autocuidado, como comer ou se levantar da cama;
Caso sejam recorrentes, é crucial que seja procurada ajuda.
Planejar tempo para o trabalho e separá-lo de tarefas domésticas, familiares e pessoais pode ajudar em menor sobrecarga e a administrar o seu tempo. Um planner ou uma agenda, seja virtual ou física, pode auxiliar no planejamento.
Definir um cômodo ou pequeno espaço da casa como o espaço de trabalho pode ajudar na separação das tarefas e das preocupações.
Além disso, ter uma rede de apoio social é importante, pois auxilia na comunicação, na troca de experiências e favorece o enfrentamento e superação de problemas.
A escola também pode fazer parte da rede de apoio do docente e oferecer capacitação e ferramentas adequadas para o exercício da atividade. Os coordenadores pedagógicos podem otimizar o diálogo com as famílias e delimitar horários para a comunicação, desta forma, os profissionais não serão contatados fora do expediente, evitando a sobrecarga.
É imprescindível que o profissional estipule um tempo para atividades prazerosas e para si mesmo. Muitas pesquisas concluíram que a falta de lazer implica em sentimentos negativos. Separar um tempo para cuidar do corpo e da mente, ter momentos com quem gosta e fazer o que ama ajudará a passar por este momento da melhor forma.