As crianças com o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade são conhecidas
por parecerem que estão com um motorzinho ligado o tempo todo.

Algumas começam a ler um livro e na metade da página não conseguem lembrar o que acabaram de ler ou até mesmo numa conversa são capazes de perder o fio da meada. Os primeiros relatos médicos de crianças com essas características são encontrados há 120 anos atrás, ao longo do tempo, o TDAH recebeu várias denominações e foi estabelecido critérios específicos para o seu diagnóstico. 

Em 1968, o DSM-II, que nada mais é do que a referência/manual de transtornos mentais, publicou o TDAH com o nome de Reação Hipercinética da Infância, a descrição era de que essas crianças tinham uma desordem caracterizada por uma excessiva inquietação, incapacidade de descansar, alta distrabilidade.  Em 1980, o DSM-III mantém o diagnóstico só que com o nome de Déficit Atenção com e sem Hiperatividade, ou seja, havia crianças que eram desatentas, mas que não eram agitadas. Por meio de muitos estudos e pesquisas os critérios diagnósticos do transtorno foram ficando mais bem definidos e foram inseridos como sintomas-alvo três características: atenção, hiperatividade e impulsividade. 

Atualmente utilizamos como critérios diagnósticos o DSM-V, e transtorno é conhecido hoje como Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade e é considerado um transtorno do neurodesenvolvimento, pois se inicia no período de desenvolvimento da criança causando prejuízos no desenvolvimento e no funcionamento pessoal, social e acadêmico.

Mas afinal, o que é TDAH?

O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade atinge cerca de 5% das crianças e adolescentes, é caracterizado por sintomas de desatenção/desorganização, hiperatividade e impulsividade, que interferem no funcionamento e no desenvolvimento do indivíduo. O TDAH tem maior prevalência no sexo masculino, porém as meninas recebem menos diagnósticos do que os meninos, pois costumam ter mais sintomas de desatenção do que problemas comportamentais. Este transtorno compromete principalmente o funcionamento da região frontal do cérebro, responsável pelas funções executivas (FE). As Funções Executivas são um conjunto de processos necessários para o controle cognitivo do comportamento e englobam:

  • Controle inibitório (falta do “freio mental”, autorregulação)
  • Memória operacional (dificuldade na codificação, armazenamento e invocação de informações) 
  • Flexibilidade cognitiva (rigidez nos raciocínios e procedimentos, “faz tudo da mesma forma”)
  • Velocidade de processamento (tempo de reação mais lento e variado) 

Crianças com TDAH podem apresentar dificuldades para entender o que lhes é dito e para se expressarem. Portanto, quando a criança não consegue compreender adequadamente os outros e o que esperam dela ou não consegue expressar de forma clara suas necessidades ou desejos, os relacionamentos sociais, a sua capacidade de controle dos comportamentos e a aprendizagem podem ficar afetados. Ao longo do desenvolvimento, o TDAH está associado com um risco aumentado de mau desempenho escolar repetências expulsões e suspensões escolares, relações difíceis com familiares e colegas, desenvolvimento de ansiedade, depressão, baixa autoestima, problemas de conduta e delinquência. 

O que causa o TDAH?

O TDAH é causado por diversos fatores, entre eles fatores genéticos e fatores ambientais. O fator genético é considerado o mais importante, responsável por 77% da possibilidade de a pessoa desenvolver características do TDAH.  

Já os fatores ambientas que podem ser relacionados ao transtorno são: 

  • Prematuridade/Baixo peso ao nascer;
  • Exposição pré-natal ao tabagismo materno; ao metilmercúrio pelo consumo materno de peixes; exposição ao chumbo; 
  • Deficiência perinatal de Vitamina D;  
  • Lesões Cerebrais traumáticas leves;
  • Estressores psicossociais (relacionamento dos pais, disfunção familiar e baixo nível social) podem ser relacionados a quadros futuros de TDAH. 

A combinação aleatória de fatores genéticos e biológicos leva a quadro de TDAH com perfis diferentes (mais ou menos graves, mais impulsivos, menos desatentos etc.). 

Como é feito o diagnóstico? 

O diagnóstico do TDAH é predominantemente clínico, não existe exame ou teste que possa sozinho dar seu diagnóstico, nem mesmo os mais modernos. Na avaliação clínica avalia-se questões do desenvolvimento, comportamento, sociabilidade, se utiliza de escalas e de critérios diagnósticos que estão descritos nos manuais de classificação como no DSM-V.

Para se elaborar um diagnóstico correto são necessárias várias avaliações, muitas vezes com abordagem multidisciplinar: Avaliação Escolar e Psicopedagógica, Avaliação Médica, Avaliação Psicológica, Neuropsicológica e Avaliações complementares.

Portanto para um diagnóstico eficaz é preciso reunir diferentes perspectivas sobre a criança, dentre elas incluem a perspectivas dos pais, professores e cuidadores. 

Outro ponto importante é conhecer e saber utilizar os Critérios Diagnósticos do DSM-V, segundo o manual os critérios englobam um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade que interfere no funcionamento e no desenvolvimento, conforme caracterizado por Desatenção e/ou Hiperatividade e Impulsividade. 

Para se fechar o critério de Desatenção, seis (ou mais) dos seguintes sintomas devem persistir por pelo menos seis meses em um grau que é inconsistente com o nível do desenvolvimento e têm impacto negativo diretamente nas atividades sociais e acadêmicas/profissionais:

  1. Frequentemente não presta atenção em detalhes ou comete erros por descuido em tarefas escolares, no trabalho ou durante outras atividades.
  2. Frequentemente tem dificuldade de manter a atenção em tarefas ou atividades lúdicas.
  3. Parece não ouvir quando lhe dirigem apalavra (cabeça “no mundo da lua”);
  4. Tem dificuldades em seguir instruções e/ou terminar tarefas;
  5. Frequentemente tem dificuldade para organizar tarefas e atividades.
  6. Frequentemente evita, não gosta ou reluta em se envolver em tarefas que exijam esforço mental prolongado.
  7. Frequentemente perde coisas necessárias para tarefas ou atividades.
  8. É facilmente distraído por estímulos externos.
  9. Apresenta esquecimento em atividades diárias.

Para se fechar os critérios de Hiperatividade e Impulsividade são necessários que seis (ou mais) dos seguintes sintomas persistam por pelo menos seis meses em um grau que é inconsistente com o nível de desenvolvimento, tendo impacto negativo diretamente nas atividades sociais e acadêmicas/profissionais:

  1. Frequentemente remexe ou batuca as mãos ou os pés ou se contorce na cadeira.
  2. Frequentemente se levanta da cadeira em situações em que se espera que permaneça sentado.
  3. Frequentemente corre ou sobe nas coisas em situações em que isso é inapropriado.
  4. Com frequência é incapaz de brincar ou se envolver em atividades de lazer

calmamente.

  1. Com frequência “não para”, agindo como se estivesse “com o motor ligado “. 
  2. Frequentemente fala demais.
  3. Frequentemente deixa escapar uma resposta antes que a pergunta tenha sido concluída.
  4. Frequentemente tem dificuldade para esperar a sua vez.
  5. Frequentemente interrompe ou se intromete.Para o diagnóstico, vários destes sintomas de Desatenção ou Hiperatividade-Impulsividade devem estar presentes antes dos 12 anos de idade e estes sintomas estão presentes também em dois ou mais ambientes (p. ex., em casa, na escola, no trabalho; com amigos ou parentes; em outras atividades), ficando evidências claras de que os sintomas interferem no funcionamento social, acadêmico ou profissional ou de que reduzem sua qualidade.

O TDAH costuma ser identificado com mais frequência durante os anos do ensino fundamental, com a desatenção ficando mais saliente e prejudicial. Na maioria das pessoas com TDAH, sintomas de hiperatividade motora ficam menos claros na adolescência e na vida adulta, embora persistam dificuldades com planejamento, inquietude, desatenção e impulsividade. Uma proporção substancial de crianças com TDAH permanece relativamente prejudicada até a vida adulta, pois além da desatenção e da inquietude, a impulsividade pode permanecer problemática, mesmo quando ocorreu redução da hiperatividade.

E como é feito o tratamento?

O tratamento é multimodal, e a orientação de pais e professores, reforço escolar, psicoterapias individuais e em grupos, assim como acompanhamento médico são modalidades para serem consideradas.  Os tratamentos mais eficazes para os sintomas centrais do TDAH são a terapia comportamental e o uso de medicamentos. A abordagem psicoterápica com os resultados mais consistentes na literatura é a terapia comportamental, com destaque ao treinamento parental. 

Por fim… Qual o papel do professor no processo diagnóstico e no tratamento do TDAH?

Os professores têm uma condição privilegiada de observação do comportamento da criança quando estão sob os seus cuidados, pois as observam em uma grande variedade de situações, tais como em atividades individuais, em grupo, de lazer e durante as interações sociais com adultos e outras crianças de diferentes faixas etárias. Além disso, o fato de os professores terem experiência com muitas crianças possibilitam a distinção entre os comportamentos esperados para cada faixa etária e os comportamentos atípicos. Portanto a capacidade de identificar precocemente os sintomas permite o encaminhamento da criança para a avaliação, sendo o trabalho do professor peça fundamental no diagnóstico e de tratamento do TDAH.

Sobre a autora:
Lívia Trimer

Lívia Trimer é psicóloga clínica e atua junto ao público infanto-juvenil na área de psicoterapia, e de avaliação e intervenção da aprendizagem.
Pós-graduada em neurociências e educação pelo Child Behavior Institute of Miami;
Pós-graduanda em Terapia Cognitivo Comportamental na Infância e Adolescência;
Especializada em Autismo pelo Centro de Terapia Cognitiva Veda;
Certificações na área de neuropsicologia, Desenvolvimento e Aprendizagem.

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