Por que a escuta ativa é importante no acolhimento emocional? Ouvir ou escutar?
Ouvir está mais ligado aos sentidos da audição, ao próprio ouvido, ou seja, perceber pelo sentido do ouvido. Já o ato da escuta, significa prestar atenção para ouvir, dar atenção a outra pessoa. O ouvir é mais superficial do que o escutar. Para escutar, é necessário habilidades mais específicas, como por exemplo, destinar a atenção ao outro. Requer, assim, ouvidos mais apurados, atentos ao que o outro fala. É acolher as emoções de quem apresenta um problema. Escutar implica em ouvir, mas quem ouve não necessariamente escuta.
Escutar o outro não é uma tarefa tão simples. Nós, educadores, nos preparamos para a oratória, mas não a escutatória. Essa prática da escuta sensível, escuta ativa, exige de nós, inicialmente um silenciar intrínseco, pois para escutar o outro, não podemos estar com a “cabeça nas nuvens”, é preciso foco e atenção a quem fala. Contudo, ao escutar as dores emocionais, sofrimentos, conflitos, não nos cabe a tarefa de julgar e analisar.
É preciso estar apto a oferecer acolhimento emocional. A escuta ativa não coloca em julgamento posicionamentos pessoais. Escutar com calma e presteza, para que o outro possa desabafar, é um caminho para que o falante divida seus sofrimentos e/ou conflitos emocionais.
Rubem Alves dizia “Só posso ouvir a palavra se meus ruídos interiores forem silenciados. Só posso ouvir a verdade do outro se eu parar de tagarelar. Quem fala muito não ouve. Sabem disso os poetas, esses seres de fala mínima. Eles falam, sim – para ouvir as vozes do silêncio.”
Nesse momento de tantas adversidades, podemos organizar rodas de apoio para oferecer acolhimento emocional na escola, sejam esses encontros presenciais ou on-line, para que os profissionais da educação possam ter espaços para dialogar sobre os sentimentos e emoções.
A seguir, apresento dois textos, uma crônica importante sobre a Escutatória de Rubens Alves, que está na sua obra O amor que acende a lua. O outro texto, é uma parábola, “As estações”, uma breve narrativa que possui um simbolismo, onde cada elemento das quatro estações nos leva a pensar que não se julga a vida apenas por uma estação difícil.
A ESCUTATÓRIA (RUBEM ALVES)
“Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória”. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular.
Escutar é complicado e sutil. Diz o Alberto Caeiro que “não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma”. Filosofia é um monte de ideias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas. Aí a gente que não é cego abre os olhos. Diante de nós, fora da cabeça, nos campos e matas, estão as árvores e as flores. Ver é colocar dentro da cabeça aquilo que existe fora. O cego não vê porque as janelas dele estão fechadas. O que está fora não consegue entrar. A gente não é cego. As árvores e as flores entram. Mas – coitadinhas delas – entram e caem num mar de ideias. São misturadas nas palavras da filosofia que mora em nós. Perdem a sua simplicidade de existir. Ficam outras coisas. Então, o que vemos não são as árvores e as flores. Para se ver e preciso que a cabeça esteja vazia.
(…) Parafraseio o Alberto Caeiro: “Não é bastante ter ouvidos para se ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma. “Daí a dificuldade: a gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer”. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor. No fundo somos todos iguais às duas mulheres do ônibus. Certo estava Lichtenberg – citado por Murilo Mendes: “Há quem não ouça até que lhe cortem as orelhas”. Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil da nossa arrogância e vaidade: no fundo, somos os mais bonitos…
Fernando Pessoa conhecia a experiência, e se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras, no lugar onde não há palavras. E música, melodia que não havia e que quando ouvida nos faz chorar. A música acontece no silêncio. É preciso que todos os ruídos cessem. No silêncio, abrem-se as portas de um mundo encantado que mora em nós – como no poema de Mallarmé, A catedral submersa, que Debussy musicou. A alma é uma catedral submersa. No fundo do mar – quem faz mergulho sabe – a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Me veio agora a ideia de que, talvez, essa seja a essência da experiência religiosa – quando ficamos mudos, sem fala. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia, que de tão linda nos faz chorar. Para mim Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio.
Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também. Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto… “
ALVES, Rubem. O amor que acende a lua. 8ª edição. Ed: Papirus. 214 p. 1999.
PARÁBOLA DAS ESTAÇÕES
Autor Desconhecido
Um homem tinha quatro filhos. Ele queria que seus filhos aprendessem a não julgar as coisas de modo apressado, por isso, ele mandou cada um viajar para observar uma pereira que estava plantada em um distante local.
O primeiro filho foi lá no Inverno, o segundo na Primavera, o terceiro no Verão e o quarto e mais jovem, no Outono.
Quando todos eles retornaram, ele os reuniu e pediu que cada um descrevesse o que tinham visto.
O primeiro filho disse que a árvore era feia, torta e retorcida.
O segundo filho disse que ela era recoberta de botões verdes e cheia de promessas.
O terceiro filho discordou. Disse que ela estava coberta de flores, que tinham um cheiro tão doce e eram tão bonitas, que ele arriscaria dizer que eram a coisa mais graciosa que ele tinha visto.
O último filho discordou de todos eles; ele disse que a árvore estava carregada e arqueada, cheia de frutas, vida e promessas…
O homem, então, explicou a seus filhos que todos eles estavam certos, porque eles haviam visto apenas uma estação da vida da árvore…
Ele falou que não se pode julgar uma árvore, ou uma pessoa, por apenas uma estação, e que a essência de quem eles são e o prazer, a alegria e o amor que vêm daquela vida, podem apenas ser medidos ao final, quando todas as estações estiverem completas.
Se você desistir quando for Inverno, você perderá a promessa da Primavera, a beleza do Verão, a expectativa do Outono.
Não permita que a dor de uma estação destrua a alegria de todas as outras. Não julgue a vida apenas por uma estação difícil.
Referências Bibliográficas
ALVES, Rubem. O amor que acende a lua. 8ª edição. Ed: Papirus. 214 p. 1999.
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